sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

EDITORIAL DA FOLHA - Começar do Zero


Com crescimento de apenas 1%, creches para crianças de até 3 anos são hoje nível escolar mais negligenciado no Brasil.

NO meio do turbilhão de notícias sobre a queda de qualidade da educação, um dado preocupante do Censo Escolar passou despercebido: de 2005 a 2006, o aumento no número de matrículas em creches foi inferior a 1%.

Os resultados do censo foram revelados há duas semanas, no mesmo dia em que o Ministério da Educação divulgou o Saeb (teste que avalia a educação básica) e o Enem (exame do ensino médio). O grande volume de informações passadas ao público na mesma data dificultou que cada um desses estudos recebesse o tratamento adequado.

No caso do censo, o que preocupa no pífio crescimento das creches -destinadas a crianças de 0 a 3 anos- é que nessa faixa etária a cobertura escolar é menor e mais desigual.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, só 13% das crianças de 0 a 3 anos eram atendidas por creches em 2005. Nas famílias com renda per capita inferior a 1/2 salário mínimo, essa proporção cai para 8,6%. Naquelas cuja renda ultrapassa três salários mínimos, o percentual chega a 35,8%.

Esses números indicam que uma das metas do Plano Nacional de Educação vai ficar no papel. Aprovado pelo Congresso em 2001, estipulava que a cobertura até os 3 anos chegasse a 30% em 2006 e a 50% em 2011.

Para que as metas fossem cumpridas, um estudo elaborado em 2003 pelo Inep (órgão do MEC de avaliação e estatística) indicava que o setor mais carente de recursos seria o de creches. De um patamar, em dinheiro da época, de R$ 898 milhões, deveria passar para R$ 10,7 bilhões em 2011, segundo o estudo.

Os passos dados pelo governo federal, no entanto, foram na direção oposta. O primeiro projeto de lei do Fundeb (fundo que amplia o financiamento do ensino fundamental para a educação infantil e o ensino médio) enviado ao Congresso excluía as creches. Foi preciso intensa pressão da sociedade civil no Congresso e na Fazenda para que as creches fossem incluídas no rateio de recursos. Agora, volta-se à carga para que instituições sem fins lucrativos que atendem gratuitamente cerca de 1 milhão de crianças em parceria com os municípios não fiquem de fora.

O descaso do Brasil com a educação infantil está em desacordo com as descobertas no campo da neurociência, segundo as quais o cuidado até os 6 anos é decisivo para o desenvolvimento emocional e cognitivo. Em contrapartida, sabe-se também que bebês submetidos a maus-tratos, estresse e pouco estimulados na primeira infância têm mais predisposição a adotar, no futuro, comportamentos violentos.

Há ainda um impacto econômico nada desprezível. Estudo da economista Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que a renda das mães mais pobres aumenta 57% quando há acesso a creche.

No momento em que se discutem os mecanismos de proteção à infância, ignorar tantas evidências de que é preciso investir mais desde os primeiros anos é um equívoco inaceitável.

Folha de São Paulo, 23/02/2007

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